O Caso Burger King e a Hashtag #QuemLacraNãoLucra
Para nós, profissionais de comunicação, não é novidade que as campanhas publicitárias podem moldar nossa visão sobre questões sociais. Em 2020, enquanto finalizava meu curso de Publicidade na UFRGS, me deparei com a campanha #QuemLacraNãoLucra do Burger King. Essa campanha não apenas chamou a atenção pela sua ousadia, mas também pelo impacto que teve ao posicionar a marca firmemente no debate público. Como uma marca pode se beneficiar a longo prazo ao assumir um posicionamento social? E que lições podemos tirar desse caso? Foi um pouco do que pesquisei para meu TCC e compartilho hoje aqui no Amplifica.
O Contexto
Começando realmente do início, em 2013. Em meio a muitos acontecimentos da cultura pop e a efervescência no twitter, surge o termo "lacrar", cunhado pela humorista potiguar, influenciadora digital e travesti, Romagaga Guidini, que usou o termo como o ápice do elogio. “A Britney arrasa, ela tomba, ela lacra!”, “Lady Gaga lacra o cu das inimigas!”. Na comunidade LGBTQIA+, então, "lacrar" significava fazer algo excepcionalmente bem, destacando-se de forma brilhante e inquestionável.
Com o tempo, o termo "lacrar" foi apropriado por setores conservadores, ganhando uma conotação negativa. Em 2019, essa mudança se intensificou com o surgimento do movimento "Get Woke, Go Broke", uma reação que se fez percebida contra a representatividade feminina em filmes de super-heróis, exemplificada pelo lançamento do filme da Capitã Marvel. Esse movimento criticava empresas e produções que incorporavam temas progressistas, alegando que essas iniciativas iriam resultar em perdas financeiras.
No tempo decorrido desde o surgimento desses discursos reacionários específicos, até o momento da campanha no BK, muitas figuras queer ganharam proeminência na cultura brasileira, Pabllo Vittar, Gloria Groove, personagens transexuais em protagonismo na TV aberta entre outros vários acontecimento também provocaram um reacionarismo cada vez mais vocal.
Foi nesse contexto polarizado que o Burger King inaugurou esse posicionamento firme em relação à comunidade, quando em 2017 lançou sua primeira campanha protagonizada por uma Drag Queen, Anny B, que brincava com sua dualidade para divulgar a promoção de dois sanduíches por 15 reais. Mais detalhes sobre essa campanha aqui. E desde então, também foi patrocinador master da Parada do Orgulho LGBTQIA+ de São Paulo por diversas vezes.
A Campanha
É depois de vários anos de relacionamento com a causa, que em 28 de junho de 2020, o Burger King Brasil lançou a campanha "Quem Lacra Não Lucra (mesmo)", desenvolvida pela agência David São Paulo. A campanha se propôs a responder os comentários negativos que receberam ao longo dos anos e reverteu o sentido negativo da expressão "Quem Lacra Não Lucra", usada por grupos conservadores, transformando-a em uma afirmação de apoio à comunidade LGBTQIA+. No dia do Orgulho LGBTQIA+, o Burger King destinou os lucros líquidos das vendas do Whopper para instituições que apoiam a causa, demonstrando um compromisso concreto com a diversidade.
Resultados
Para avaliar o impacto da campanha, analisei todos tweets proativos públicos que utilizaram a hashtag #QuemLacraNãoLucra nos dias 26, 27 e 28 de junho daquele ano, totalizando mais de 1800 publicações. Desses, foram selecionados os que receberam mais de 10 curtidas para uma análise temática.

Lovers (Positivos): Entre os comentários positivos, identifiquei três categorias principais:
Curtidores: Usuários que expressaram apoio e entusiasmo pela campanha, muitas vezes compartilhando mensagens de orgulho e gratidão.
Informativos: Perfis que ajudaram a divulgar os objetivos da campanha, explicando como os lucros das vendas seriam destinados a instituições de apoio à comunidade LGBTQIA+.
Incentivadores: Usuários que não apenas apoiaram a campanha, mas também incentivaram outros a participar e apoiar a causa, frequentemente usando uma linguagem motivacional e engajadora.
Haters (Negativos): Do lado negativo, os tuítes foram categorizados em três grupos:
Anticonsumo: Crítica ampla ao capitalismo e a lógica comercial inerente à publicidade. Apontam que o lucro foi roubado dos trabalhadores. Podemos inferir que, para estes, as manifestações de posicionamentos pró-diversidade são incompatíveis com a lógica comercial.
Direita Isenta: Comentários de pessoas que supostamente não vêem nenhum problema que haja posicionamentos como esse do Burger King, desde que os conservadores também passem a fazer suas campanhas.
Insatisfeitos: Já essa subcategoria não se propõe a esconder sua intolerância à comunidade LGBTQIA+ e sentem-se ultrajados por ter sua crítica sendo retomada de forma irônica.
A análise revelou uma polarização significativa nas reações, com mensagens altamente curtidas tanto de apoio quanto de crítica à campanha.
A campanha do Burger King Brasil é um caso emblemático de como a publicidade pode se engajar em causas sociais importantes. O uso do humor e do orgulho foi uma ferramenta poderosa para gerar apoio e tornar a campanha acessível.
Fica a reflexão. À medida que mais marcas buscam se posicionar em relação a questões sociais, é essencial que isso seja feito de forma genuína e comprometida para que possa ser aceita por quem se pretende defender. O caso do Burger King mostra que há um caminho a ser trilhado, onde o marketing e o propósito social andam de mãos dadas. Vamos continuar atentos às dinâmicas sociais e culturais, usando nossa criatividade para fazer a diferença!
FICHA TÉCNICA
Agência: DAVID SP
Campanha: Quem Lacra não Lucra
Cliente: Burger King Brasil
Produto: Institucional
Global CCO & Partner: Pancho Cass
MD, Global COO: Sylvia Panico
VP de Criação: Rafael Donato
Diretor de Criação: Edgard Gianesi
Diretores de Criação Associados: Fabrício Pretto, Rogério Chaves
Criação: Bernardo Tavares, Fabrício Pretto, Rogério Chaves
Atendimento: Carolina Vieira, Rafael Giorgino, Juliana Chediac, Martina Adati
Produção: Fabiano Beraldo, Fabíola Thomal, Andressa Cardoso
Motion: Leonardo Nichida
Planejamento: Daniela Bombonato, Carolina Silva, Tábata Pimentel
Mídia: Marcia Mendonça, Mateus Madureira, Felipe Braga, Letícia Defina, Renata Oliveira
Inovação e Tecnologia: Toni Ferreira, Gustavo Nanes
Social media: Lucas Patrício
Data Intelligence: Mailson Dutra, Ana Veiga
Produtora de som: Carbono Sound Lab
Produtor: Zé Godoy
Produção Executiva de som: Gabi Takan
Atendimento: Zé Godoy e Ricardo Way
Aprovação do cliente: Ariel Grunkraut, Thais Nicolau, Filipe Botton, Stephanie Pellin, Gabriel Mello, Vinícius Simon de Freitas
Publicado em 19 de junho de 2024